Ministros reconheceram que a paternidade socioafetiva não afasta reconhecimento do vínculo biológico. Pais biológicos e afetivos têm as mesmas obrigações.
O STF julgou nesta quarta-feira, 21, RE, com repercussão geral, no qual se discutia se a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica. No caso, os ministros entenderam que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. A tese deve ser fixada na plenária de amanhã, 22.
O RE foi interposto pelo genitor biológico contra decisão do TJ/SC que, em embargos infringentes, estabeleceu deveres em razão do reconhecimento da paternidade biológica, dentre eles o pagamento de alimentos. O genitor biológico afirmava que a alimentante, no caso, já tem um pai socioafetivo, que inclusive a registrou como filha, e pretendia no STF, que apenas o reconhecimento da paternidade fosse mantido, e que fossem excluídas as obrigações jurídicas decorrentes dele, que deveriam, segundo ele, serem cumpridas pelo pai socioafetivo.
Relator
Relator, o ministro Luiz Fux votou no sentido de se estabelecer que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica. No caso concreto, o ministro votou por negar provimento ao RE, mantendo acórdão do TJ/SC que, sem desclassificar o pai socioafetivo, cujo nome está no registro da filha, reconheceu a paternidade biológica, estabelecendo todos os direitos e deveres dela decorrentes.
Em seu voto, Fux discorreu sobre o direito à busca da felicidade. De acordo com ele, tal direito funciona como “escudo do ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei”.
“O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei.”
Destacando que a paternidade sociafetiva é uma realidade e que o conceito de pluriparentalidade não é novidade, o ministro afirmou que o direito é que deve curvar-se às vontades e necessidades das pessoas, “não o contrário”.
“Não cabe a lei agir como o Rei Salomão – na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, em tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica, quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento, por exemplo, jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento dos esquemas condenados pelos legisladores. É o direito que deve servir a pessoa, e não a pessoa que deve servir o direito.”
O entendimento do ministro Fux foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Para a ministra Rosa Weber, há possibilidade de existência de paternidade socioafetiva e paternidade biológica, com a produção de efeitos jurídicos por ambas. Na mesma linha, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu ser possível a dupla paternidade, isto é, paternidade biológica e afetiva concomitantemente, não sendo necessária a exclusividade de uma delas.
O ministro Dias Toffoli salientou o direito ao amor, o qual está relacionado com às obrigações legais do pai biológico para com o filho, a exemplo da alimentação, educação e moradia. “Se teve o filho, tem obrigação, ainda que filho tenha sido criado por outra pessoa”, observou. Ao acompanhar o relator, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a tese sustentada pelo recorrente [pai biológico] apresenta “cinismo manifesto”.
“A ideia de paternidade responsável precisa ser levada em conta, sob pena de estarmos estimulando aquilo que é corrente porque estamos a julgar um recurso com repercussão geral reconhecida.”
O ministro Marco Aurélio destacou que o direito de conhecer o pai biológico é um direito natural. Para ele, a filha tem direito à alteração no registro de nascimento, com as consequências necessárias. Entre outros aspectos, o ministro Celso de Mello considerou o direito fundamental da busca da felicidade e a paternidade responsável, a fim de acolher as razões apresentadas no voto do relator. Ele observou que o objetivo da República é o de promover o bem de todos sem qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A ministra Cármen Lúcia destacou que “amor não se impõe, mas cuidado sim e esse cuidado me parece ser do quadro de direitos que são assegurados, especialmente no caso de paternidade e maternidade responsável”.
Divergência
Abrindo a divergência, o ministro Edson Fachin votou no sentido que diante da existência de vínculo socioafetivo com o pai e vínculo apenas biológico com outro genitor “somente o vínculo socioafetivo se impõe juridicamente”.
“O parentesco socioafetivo não é prioritário, nem subsidiário a paternidade biológica. Nem tão pouco um parentesco de segunda classe. Trata-te de fonte de paternidade, maternidade, filiação, dotada da mesma dignidade jurídica da adoção, constituída judicialmente e que se afasta na fixação do parentesco jurídico do vinculo biológico.”
O ministro deu parcial provimento ao recurso, para que prevalecendo os efeitos jurídicos do vínculo socioafetivo para todos os efeitos legais, “fique resguardado o direito de conhecer a própria origem”. O entendimento foi acompanhado pelo ministro Teori Zavascki. Para ele, do ponto de vista constitucional, a paternidade genética não gera necessariamente uma paternidade jurídica.
Processo relacionado: RE 898060