Nesta semana um assunto delicado e polêmico tem tomado conta dos noticiários e redes sociais, especialmente por ter como protagonista uma pessoa “famosa”; Laércio de Moura, 53 anos, ex-BBB, foi preso dia 16/05, acusado de estupro de vulnerável.
Segundo a polícia do Paraná, Laércio teria se relacionado com uma menor de 14 anos em 2012, sendo somente agora acusado pela moça, que hoje teria 17 anos.As investigações do caso começaram há três meses, a pedido do Ministério Público do Paraná, que aceitou denúncias feitas por telespectadores do BBB. Em depoimento à polícia, a vítima em questão confirmou as acusações à polícia. Ela forneceu prints de conversas que teve com Laércio,através das redes sociais, que deixam claro que o acusado tentava esconder sua relação com a menor. “Só vão descobrir se você vacilar e falar pra alguém”, diz Laércio em determinado ponto. Os policiais também apreenderam aparelhos eletrônicos do acusado, como computador e telefone celular. A apuração continua, atrás de outras possíveis vítimas.
O caso ganha mais notoriedade por conta do programa de TV BBB 16, exibido pela Rede Globo e encerrado no começo deste ano, onde o acusado Laércio, enquanto enclausurado, travou discussões acaloradas com outra participante, Ana Paula, que, em algumas ocasiões, o chamou de pedófilo, pois o acusado disse várias vezes que gostava de se relacionar com garotas mais novas.
A polêmica foi incrementada ainda mais pelo programa de TV Mais Você, exibido no dia 03/02/2016, um dia após a eliminação de Laércio do reality, onde houve uma clara tentativa dos apresentadores de defender e amenizar a imagem do acusado, trazendo inclusive à tona a discussão sobre a pedofilia ser crime ou não. Nesse dia, a advogada Silvana Góes, deu uma explicação, falando que pedofilia em si não é crime, de acordo com a legislação brasileira:
De início, pedofilia não é crime. É a condição das pessoas que se sentem atraídas por crianças e adolescentes. Para o Direito, pedofilia só configura crime quando a pessoa pratica esse ato com crianças até 14 anos de idade. O que é proibido é namorar abaixo de 14 anos.
Com essa explicação, a Dra. Silvana atraiu para si a fúria de alguns internautas, que passaram a atacá-la, como se ela houvesse cometido algum crime dessa magnitude. Diante da relevância que tal assunto tomou, bem como da delicadeza do mesmo, há primeiro que se explicar o crime do qual o ex-BBB é acusado, antes mesmo de criticar a colega.
O estupro de vulnerável é um delito previsto no artigo 217-A do Código Penal, que assim define o crime suso mencionado:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º – Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (VETADO)
§ 3º- Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º – Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
No Direito Penal brasileiro, estupro de vulnerável é um tipo penal criado com a lei 12.015/2009, que substituiu o antigo artigo 224 do Código Penal, que por sua vez tratava da presunção de violência. Antes da entrada em vigor da Lei 12.015/09, havia dois delitos: o de estupro, no art. 213, e o de atentado violento ao pudor, no art. 214. Em ambos, o meio de execução era a violência ou grave ameaça. No entanto, quando praticados contra menores de 14 (quatorze) anos, pessoas “alienadas” ou “débeis mentais” ou por quem não podia oferecer resistência, falava-se em presunção de violência – ou seja, ainda que o agente não empregasse violência real contra a vítima, presumia-se a sua existência em virtude da idade dela ou da sua incapacidade de entender ou consentir com ato sexual.
O termo presunção levantava inevitáveis questionamentos, tais comose a vítima houvesse consentimento, se fosse prostituta ou até se existia uma relação amorosa entre autor e vítima, o que muitas vezes poderia levar até a libertação dos verdadeiros agressores sexuais. Com o advento da Lei 12.015/09, o critério passou a ser objetivo (idade), e não mera presunção, que, por natureza, é subjetiva. Pela redação atual, se a vítima for menor de 14 (quatorze) anos, seja do sexo masculino ou feminino, e se o acusado tiver conhecimento desse fato, ocorrerá o crime, pouco importando o seu histórico sexual, com exceção dos casos de prostituição.
São elementos objetivos do tipo: “ter” (conseguir, alcançar) conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina) ou “praticar” (realizar, executar) outro ato libidinoso (qualquer ação que objetive prazer sexual) com menor de 14 anos, com alguém enfermo (doente) ou deficiente (portador de retardo ou insuficiência) mental, que não tenha o necessário (indispensável) discernimento (capacidade de distinção e conhecimento do que se passa, critério ou juízo) para a prática do ato sexual, assim como alguém que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência (força de oposição contra algo), tendo como exemplo pessoas embriagadas ou drogadas. O vulnerável é a pessoa incapaz de consentir validamente o ato sexual, ou seja, é o passível de lesão, despido de proteção.
Superada a explicação do crime de estupro de vulnerável, passo a defender a declaração da colega, que tanto gerou discussões e até mesmo acusações. Com dito acima, a nobre colega explicou, no programa Mais Você do dia 03/02/2016 (que registre-se, foi tendencioso, conforme inúmeras análises de pessoas especializadas da mídia) a pedofilia em si não é crime, infelizmente. A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual. São consideradas pedófilas pessoas adultas (homens e mulheres) que têm preferência sexual por crianças – meninas ou meninos – do mesmo sexo ou de sexo diferente, que ainda não atingiram a puberdade ou no início da puberdade. O Código Penal Brasileiro em seu artigo 1º dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, e que não há pena sem prévia cominação legal. Ou seja, um determinado comportamento não é crime se não estiver tipificado no Código Penal e que também não existe pena, uma vez que não existe crime. Sendo assim, o que se convencionou chamar “pedofilia” não é crime.
É sim uma conduta odiosa, reprovável e imoral aos olhos da sociedade moderna e, segundo especialistas, pessoas portadoras desse transtorno devem se submeter a tratamento psicológico e psiquiátrico. Esses mesmos especialistas dizem que uma pessoa possa ser pedófila, mas nunca ter cometido crime. No meu entender, pedófilos são como minas terrestres ocultas, esperando para explodir quando pisadas. E apoio minha opinião justamente no argumento de que a pedofilia é um transtorno e precisa ser tratada. Até minha bisavó já sabia que uma doença não curada traz consequências graves no futuro.
Entretanto, não é porque existe uma doença chamada pedofilia que a lei trata os abusos sofridos por crianças apenas como frutos de uma doença. No Brasil, o pedófilo é punido por outros crimes tipificados pelo Código Penal, como estupro, atentado violento ao pudor, presunção de violência, lesão corporal, corrupção de menores e, se for o caso, homicídio. Violência sexual contra criança e adolescente sim é crime!
A Lei n. 11.829, de 25 de novembro de 2008, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente incluindo vários artigos cujo conteúdo é a criminalização de condutas como a produção, venda, aquisição, posse e distribuição de pornografia infantil, inclusive pela internet. A divulgação de foto pornográfica infantil por mensagem de celular, por exemplo, pode incorrer em pena de reclusão de até 6 (seis) anos. O Código Penal também veda a chamada “corrupção de menores” (artigo 218), assim considerada a ação de induzir alguém menor de catorze anos a satisfazer a lascívia de outrem. Na mesma pena incorre quem praticar, na presença de alguém menor de catorze anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem (artigo 218-A).
A explicação da Dra. Silvana, por mais que tenha gerado revolta, foi técnica, exposta profissionalmente, procurando inclusive não se profundar na polêmica, e por mais estarrecedora que tenha sido, no calor daquele momento, inoportuno, por sinal, não foge da realidade. E isso de forma nenhuma reflete suas convicções pessoais, coisa que a Dra. Silvana não fez. Em seu lugar, eu teria me posicionado da mesma forma, embora tenha minha opinião pessoal manifestada acima, ao comparar pedófilos com minas terrestres.
Dessa forma, a fúria dos internautas deve ser direcionada contra o acusado, senhor Laércio, que agora desfruta da hospitalidade do sistema carcerário do Estado do Paraná, e poderá se defender em tempo hábil. Afinal, o caso de Laércio, como já noticiado pela mídia, está sob investigação há três meses, e se iniciou justamente por conta deste defender sua posição exposta em rede nacional no fatídico BBB 16, de que fazer sexo com meninas (bem) mais novas é normal, mesmo ele tendo seus 53 anos de idade.
Embora deva ser respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência (todos são inocentes até que se prove o contrário), não é crível que um juiz criminal defira a prisão do senhor Laércio sem que lhe fossem apresentadas pela polícia do Paraná robustas provas do delito do qual ele é acusado. Ainda há um longo caminho jurídico a ser percorrido pelos protagonistas dessa história. Enquanto isso poderá o senhor Laércio aproveitar sua mais nova chance de fama rápida e quem sabe tentar defender o seu ponto de vista perante os seus companheiros de cela.
Weller Rodrigues de Lima.