Doadores têm conseguido, na Justiça, reaver bens após atos de ingratidão praticados por pessoas que foram beneficiadas – como herdeiros e ex-cônjuges. E não apenas com base nas situações listadas pelo Código Civil, de 2002. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caso de uma idosa de 68 anos, levou em consideração o descaso e a indiferença da família.

A possibilidade de revogação de doação por ingratidão está prevista no artigo 555. E em artigo posterior, o 557, a norma lista quatro motivos para a medida: atentado contra a vida do doador, homicídio doloso, ofensa física, injúria ou calúnia e também por recusa de fornecer alimentos necessários.

No caso da idosa, porém, a 3ª Turma considerou que o conceito jurídico de ingratidão é aberto – ou seja, podem ser reconhecidas outras situações além das descritas pelo Código Civil. E, por unanimidade, aceitou como ato de ingratidão o tratamento inadequado dado à doadora (REsp 1593857).

A idosa, depois de doar seu único imóvel ao irmão, com reserva de usufruto vitalício (que permite o uso do bem pelo doador), passou a sofrer maus tratos. A família dele foi morar com ela e passou a agredi-la verbalmente. Chegou a ouvir que a família não queria conviver com ela. Por causa da situação, mantinha-se confinada em seu quarto e teve que comprar um frigobar para manter seus alimentos.

A jurisprudência do STJ permite a revogação por ingratidão. Mas exige que os atos praticados sejam graves e tenham claramente essa característica. “Atos tidos, no sentido pessoal comum da parte, como caracterizadores de ingratidão, não se revelam aptos a qualificar-se juridicamente como tais”, afirma o relator de outro caso na 3ª Turma (REsp 1350464), ministro Sidnei Beneti.

Em outro julgamento, realizado no ano passado, a 4ª Turma concedeu, por unanimidade, o pedido de um ex-marido para revogar doações feitas à ex-mulher por atos de ingratidão (REsp 1205728). O ex-marido doou imóveis e dinheiro à ex-esposa. Posteriormente, ela fez disparos com arma de fogo em frente à casa dele. A ação transitou em julgado em fevereiro.

O assunto deve voltar à pauta da 3ª Turma em breve. Será julgado processo envolvendo cotas empresariais doadas aos filhos de um empresário do ramo de transporte marítimo (REsp 1715499). O empresário teve sete filhos, sendo seis no primeiro casamento e um no segundo. Ele doou um grupo de cotas para um dos filhos e outro para os do primeiro casamento.

A ação discute a doação ao segundo grupo. Um dos filhos expediu um ato formal de notificação, indicando desconfiança com os atos do pai e até desonestidade. Ao receber a notificação, o pai ajuizou ação para revogar a doação, o que foi acatado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Apesar de a previsão existir desde o Código Civil de 1916, apenas com o texto de 2002 passou-se a discutir se as hipóteses para revogação poderiam ser ampliadas. Advogados divergem sobre a questão.

FONTE : AASP

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